Ser psicóloga(o) clinico é ter uma profissão maravilhosa. Ver pessoas que entra para o processo de psicoterapia na dor e no sofrimento e em algumas sessões consegue obter equilíbrio emocional e seguir a vida com conquistas é gratificante.
Ouvir palavras como: "obrigada por ter entrado na minha vida"; "uma das melhores coisas que fiz este ano foi começar a terapia", entre outras falas; receber ligações de pessoas que querem iniciar o processo porque foi indicada por outro paciente, enfim muitas são as graças desta profissão.
E muito se fala dela, nos dias atuais a moda é cursos, artigos e vídeos sobre marketing para psicólogos, de muita valia, pois somos leigos neste assunto e não é barato pagar acessoria.
Outra questão que muito se discute é os altos e baixo financeiro, por ser autônomo e receber pelo que trabalha vivemos uma inconstância financeira que gera angústia e as vezes impotência na vida familiar e social.
Mas o que trago para reflexão é: Onde fica a dor do Psicólogo?
Passei alguns momentos cruéis em que a minha alma dilacerava em dor e precisava estar lá, inteira para meu paciente.
Quando entramos em sofrimento, seja lá qual for o motivo: perda de ente querido, separações, decepções, etc. entramos em um processo de luto no qual devemos lidar com algumas etapas como negação, raiva, aceitação, mas dependendo da causa do sofrimento isso é vivido com muita dor e lágrimas.
Lembro-me do período em que meu pai estava doente, trabalhava como atendente de crédito em uma loja, começava a atender o cliente e lá vinham elas, as lágrimas desciam sem controle, até que meu chefe me transferiu para trabalhar com arquivos, lá em meio à papéis eu poderia chorar a vontade e chorava, o dia inteiro.
Mas e agora? Não é porque sou psicóloga que as pessoas não morrem, que não tenho conflitos, decepções e dores na alma.
O que fazer com esta dor?
Como no trabalho que citei, não posso atender o cliente com lagrimas escorrendo pelo rosto. Também não posso deixar de atender porque estou com problemas pessoais. O que fazer?
Sim, não é uma questão muito simples. Quem é clinico sabe. E como nada pode ser fácil, normalmente recebemos clientes com questões muito parecidas com o que estamos vivendo. Se é perda de um ente querido, lá vem um paciente que está perdendo um. Se é problemas conjugais, lá vem um que está com sérios problemas nesta área, e assim é. Tanto que costumamos brincar dizendo: "cada um tem o paciente que merece ou que precisa".
Mas ainda fica a questão: o que fazer com a minha dor? Tenho conseguido sobreviver, são 13 anos de profissão e algumas grandes dores na alma nestes 13 anos.
Em alguns momentos tive a consideração por mim e pelo paciente e desmarquei a sessão. Em alguns momentos marcava horário para chorar, olhava a minha agenda, via o horário da janela e combinava com as minhas lágrimas que elas poderiam vir naqueles horários, e assim era, chorava 50min. parava, fazia uma maquiagem leve e pronta para o próximo paciente, repetia o processo sempre que possível. Uma amiga perguntava como conseguia, não sei, sei que conseguia.
Deixar lá fora o que é pessoal, mesmo a dor é outro mecanismo, mas imprescindível é psicoterapia pessoal, cuidar do lado espiritual, amigos e família para ajudar a suportar e lidar com a dor.
Vamos por parte:
- Deixar lá fora o que é pessoal: na faculdade aprendemos que devemos entrar para o atendimento despidos do que é nosso: história, problemas, crenças, valores, etc. com a dor na alma não é tão simples mas podemos nos esforçar e deixar la fora também a dor.
- Psicoterapia: todo psicólogo deve passar pelo processo sempre, sem interrupção, pois na nossa terapia pessoal é que resolvemos nossas questões, nossos conflitos e nossas dores. Não há outro caminho para nos estruturar como a psicoterapia e impedir de projetar no paciente nossos problemas ou entrar na contratransferência.
- Espiritual: partindo do principio que somos bio=psico=social e espiritual, devemos sim cuidar da nossa parte espiritual, a fé acalma a alma e traz esperança, sendo um caminho para o equilíbrio emocional.
- Amigos: conversar com os amigos sempre nos alivia a alma, o carinho e amor que recebemos deles pode nos ajudar nestes momentos de dor.
- Contar com a família: pedir ajuda, conversar, tentar entender, estar junto, nos ajuda a reforçar os recursos, afinal a família é nossa fonte de vida.
Houve uma situação em que estava com dor na alma e não queria chorar por minha dor, vindo do consultório passei na locadora (alguns talvez nem saiba o que é isso rs) e fui para a sessão de dramas, pois queria chorar pelo outro e não por mim. Escolhi o filme "o quarto do filho", não tive a brilhante ideia de ler a sinopse, só peguei e levei. Minhas dores naquele dia eram problemas em casa, com a família. E o bendito filme: um psiquiatra que era workaholics e não tinha tempo para a família, imagina eu naqueles tempos que trabalhava de segunda a sábado, saia de casa as 7hs e voltava as 22hs. E o psiquiatra por muita insistência do filho aceitou ir mergulhar com ele. Na hora em que iam sair um cliente liga pedindo socorro, estava prestes a cometer suicídio e ele deixa o filho e vai socorrer o cliente, o filho sofre um acidente no mergulho e morre. Nunca vi um filme tão cruel, para mim, naquele momento que estava seguindo um caminho similar.
Esta é uma parte não muito fácil desta linda e encantadora profissão, mas superadas as dores da alma e lembrando que a própria profissão oferece recursos para nos fortalecer com suas teorias, significados e imensidão de possibilidades, assim como oferecemos àqueles que nos procuram, conseguimos nos cuidar também usufruindo dela.
Sei que amo minha profissão e quando vir outra dor na alma saberei lidar como nas vezes anteriores.
Se você é Psicólogo(a) e quer discutir sobre este tema, ainda não passou pela experiência ou está passando, coloco-me a disposição para discussões.
Hoje com alma leve consigo olhar para este assunto.
Por Cristina S. Souza - Psicóloga Clinica